Ninguém discute que os animais de estimação fazem parte da vida das pessoas, sendo, muitas vezes, considerados como filhos por seus tutores, estimando-se em quase 50 milhões o número de pets no Brasil e, por esse motivo, a discussão acerca da guarda e direito à visitação em casos de separação, divórcio ou dissolução de união estável, chegou aos tribunais brasileiros em 2019, e o Superior Tribunal de Justiça- STJ considerou ser possível a regulamentação judicial de visitas a animais de estimação, até então, em decisão inédita para um tribunal superior.
O STJ, por maioria de votos, confirmou a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que fixou regime de visitas para que o ex-companheiro pudesse conviver com uma cadela yorkshire adquirida durante o relacionamento, e que ficou com a mulher depois da separação.
Apesar de enquadrar os animais como bens semoventes, ou seja, suscetíveis de movimento próprio e passíveis de posse e propriedade, a turma concluiu que os bichos não podem ser considerados como meras “coisas inanimadas”, pois merecem tratamento peculiar em virtude das relações afetivas estabelecidas com os seres humanos.
O caso sob julgamento era o seguinte: um casal adquiriu uma cadela yorkshire, no ano de 2004, quando tinha uma união estável e, após o término da relação, em 2011, o animal ficou inicialmente com o homem, mas, tempos depois, passou a viver com a mulher, que o impediu de visitar o animal, causando “intensa angústia” ao ex- companheiro.
Foi proposta, por ele, uma ação de regulamentação de visitas, tendo a sentença considerada que o animal não poderia integrar relações familiares equivalentes àquelas existentes entre pais e filhos, concluindo que a cadela é objeto de direito, não sendo possível regular, por via judicial, a visitação.
Em grau de recurso, o Tribunal acolheu o pedido e fixou as visitas em períodos como finais de semana alternados, feriados prolongados e festas de final de ano, o que foi mantido pelo STJ.
Em seu voto, o relator do caso ponderou que, atualmente é preciso refletir se esses animais de companhia devem ser tidos como simples coisas (inanimadas) ou se merecem tratamento diferenciado, ainda mais diante do atual conceito de família e sua função social.
Durante o julgamento, foi mencionada a recente pesquisa do IBGE que revela existirem mais cães e gatos em lares brasileiros do que crianças, não se podendo desprezar o relevo da relação do homem com seu bicho, negando o direito dos ex-companheiros de visitar ou de ter consigo o seu cão, desfrutando do seu convívio.
Mais recentemente, outra ação chegou ao STJ e ela se referia a cobrança de “pensão alimentícia” para o cuidado e sustento de dois pets. Uma mulher propôs a ação contra o seu ex-companheiro e conseguiu indenização de R$ 20.000,00 pelos gastos já feitos, além de uma “pensão” mensal de R$ 500,00 para suprir os cuidados com os animais.
O homem apresentou recurso contra a decisão, alegando ter rompido o vínculo afetivo com os animais e que não poderia vir a ser obrigado a pagar pensão para eles, já que não tem recursos financeiros para custear as despesas dos animais, além de não ser mais seu tutor.
Por ocasião do julgamento, o relator do processo, Ministro Villas Bôas Cueva, assinalou que a compra ou adoção conjunta dos animais de estimação acarreta a obrigação de cobrir seus gastos, enquanto o Ministro Marco Bellize entendeu que a pretensão de cobrança estaria prescrita, pois ultrapassado o prazo de três anos contados do fim do relacionamento, além de ter destacado a ausência de vínculo afetivo com os animais e o fato de os pets não terem sido “partilhados” na separação.
O julgamento não foi encerrado, em razão do pedido e vista da Ministra Nancy Andrighi, mas esse tema, de extrema importância para as famílias brasileiras, deve voltar a qualquer momento para a pauta do STJ.
Tânia Nigri
Tânia Nigri é especialista e mestre em direito econômico, advogada pública federal, psicanalista, membro do IBDFAM- Instituto Brasileiro de Direito de Família e autora dos livros “União Estável”, “Herança” ,“Contrato de Namoro” -publicados pela Editora Blucher e “O Sigilo Bancário e a jurisprudência do STF”, publicado pelo IASP- Instituto dos Advogados de São Paulo.