Quando o casamento termina, o caminho buscado por milhares de pessoas é o divórcio, que só foi legalizado no Brasil no ano de 1977, depois de décadas de resistência do Poder Legislativo, que sofria forte influência da Igreja Católica e dos mais diversos grupos conservadores da sociedade, para manter a indissolubilidade do casamento.
Antes da aprovação da Lei do Divórcio, as pessoas casadas permaneceriam ligadas entre si até a morte, pois o vínculo conjugal era indissolúvel, portanto, se o convívio se tornasse difícil, o único caminho era o desquite, que punha fim ao casamento, mas mantinha o vínculo conjugal, portanto, nenhum dos dois poderia se casar com novos parceiros.
No ano de 2007, foi aprovada a Lei nº 11.441, de 4 de janeiro de 2007, facilitando os processos de divórcio e de separações consensuais, que passaram a poder ser realizados nos Cartórios de Notas, desde que o casal não tenha filhos menores ou incapazes e que a mulher não esteja grávida.
Em 2010, com a promulgação da Emenda Constitucional nº 66/2010, foi suprimido o requisito da prévia separação judicial ou separação de fato para a decretação do divórcio, criando-se um divórcio bastante diferente daquele que vigorava anteriormente, pois não é mais necessário comprovar qualquer condição para a sua concessão e, na opinião da maioria dos doutrinadores, cessou, também, a necessidade de o juiz investigar, nos divórcios litigiosos, qual dos dois foi o culpado por violar os deveres do casamento[1], portanto o divórcio passou a ser um direito potestativo, ou seja, um direito que não admite contestação, por isso, independentemente de haver consenso, quando um dos dois desejar o fim do casamento, o divórcio deverá ser decretado.
Mais recentemente, em 2020, o Conselho Nacional de Justiça -CNJ editou o Provimento nº 100/2020, passando a autorizar o divórcio online desde que haja consenso entre o casal, eles não possuam filhos menores ou incapazes, a mulher não esteja grávida e esteja presente um advogado.
No divórcio consensual o juiz pode homologar imediatamente o divórcio, sem a necessidade de realização de audiência de conciliação ou ratificação, desde que ele tenha condições de se assegurar da real disposição do casal em se divorciar, bem como do cumprimento de todas as formalidades jurídicas e determinações legais, mas a grande dúvida é: O que fazer quando um deseja o divórcio e o outro não?
Nas situações em que não haja concordância com a ideia de se divorciar ou com a partilha de bens, guarda de filhos e pensão alimentícia, será necessário o ajuizamento de divórcio litigioso no Poder Judiciário, mas tendo em vista que ninguém pode ser obrigado a permanecer casado, mesmo que um dos dois conteste a ação dizendo que não pretende se divorciar, o divórcio será decretado (no começo ou no fim do processo) e o juiz, após analisar as provas dos autos, sentenciará decidindo como se dará a divisão dos bens, a guarda dos filhos menores, o pagamento de pensão alimentícia, etc.
Após a promulgação do Código de Processo Civil de 2015, que prevê a antecipação da tutela quando presente no pedido a “evidência”[2], cada vez mais, doutrinadores vêm defendendo a possibilidade de decretação do divórcio, de forma liminar ou impositiva, ou seja, no início do processo, mesmo sem ouvir previamente a parte contrária.
Para muitos autores, não teria sentido aguardar o processamento de um divórcio litigioso, que muitas vezes leva anos, se não há nada que possa ser dito ao longo do feito, que possa impedi-lo. Há, inclusive, um projeto de lei (Projeto de Lei n° 3457, de 2019), de iniciativa do Senador Rodrigo Pacheco, que acrescenta o art. 733-A ao Código de Processo Civil para permitir que um dos cônjuges requeira a averbação de divórcio diretamente no cartório de registro civil, mesmo que o outro cônjuge não concorde com a separação.
Essa foi a ideia da Segunda Vara da Família do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – TJSP , que decretou o divórcio do casal, em tutela de evidência, para que a autora da ação não precisasse aguardar o desenrolar do processo para alterar seu estado civil.
O mesmo ocorreu na 3ª Vara da Família de Joinville, em Santa Catarina, cuja juíza, Karen Francis Schubert, deferiu o pedido de tutela antecipada para decretar o divórcio de um casal antes mesmo da citação do marido. Ela fundamentou sua decisão no fato de o divórcio ser um direito potestativo incondicionado, não havendo, portanto, necessidade de prova ou condição, tampouco de formação de contraditório, bastando a vontade de um dos cônjuges[3].
Nos casos em que é concedida a antecipação dos efeitos do divórcio, os cônjuges deixam de ser casados prontamente, podendo, inclusive, se casar novamente, mesmo que ainda não tenha acabado o processo. A jurisprudência brasileira tem sido cautelosa com a decretação do divórcio liminar e a maioria dos magistrados tem optado por citar os réus, antes da decretação do divórcio.
Quando analisava o caso de uma mulher, separada de fato há oito anos, que pedia a tutela de evidência, informando desconhecer o paradeiro de seu marido e desejar seguir sua vida amorosa, a Desembargadora Rosana Fachin, da Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná[4], através de decisão monocrática, posteriormente confirmada por seus pares, conheceu do agravo de instrumento interposto contra a decisão da juíza de primeiro grau, e decretou, desde logo, o divórcio.
A decisão se baseou nos artigos 355 e 356 do Código de Processo Civil, julgando a Desembargadora, de forma antecipada, parte do mérito para decretar o divórcio liminarmente, ao argumento de que “diante do pedido expresso da parte autora quanto à sua concessão, ao réu não há defesa juridicamente possível que obste o provimento do pleito, mantida a demanda, por evidente, para apreciar demais pendências, se for o caso“.
Outra decisão sobre essa mesma questão foi prolatada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, entendendo que, com o advento da Emenda Constitucional nº 66/2010, o decreto do divórcio, direito potestativo, passou a ser permitido liminarmente, com a concessão da tutela de evidência prevista no Artigo 311, do Código de Processo Civil, decretando-se o divórcio do casal e determinando o prosseguimento do feito com relação às demais questões[5].
Diante desses e de outros precedentes, que têm se proliferado no Poder Judiciário, conclui-se que, em breve, será corriqueira a decretação liminar do divórcio, uma espécie de “divórcio express”, o que, sem dúvida, vai ao encontro da norma insculpida na Emenda Constitucional nº 66/2010, que resguarda o direito evidente ao divórcio, à liberdade de escolha e consolida o entendimento de que o divórcio é um direito potestativo incondicionado e que depende, tão somente, da vontade de um dos cônjuges.
[1] Alguns doutrinadores e magistrados defendem que, mesmo depois da Emenda Constitucional nº 66/2010, ainda seria possível ao juiz investigar quem é o culpado pelo fim do casamento para o efeito de pagamento/recebimento de pensão alimentícia.
[2] DA TUTELA DA EVIDÊNCIA
Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:
I – ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;
II – as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;
III – se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;
IV – a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.
Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.
[3] O caso corre em segredo de Justiça.
[4] TJPR – 12ª C.Cível – 0041434-50.2020.8.16.0000 – Curitiba – Relatora.: Desembargadora Rosana Amara Girardi Fachin – Data de Julgamento: 24/.09/2020.
[5] TJ-SP – AI: 22156792720208260000 SP 2215679-27.2020.8.26.0000, Relatora: Clara Maria Araújo Xavier, Data de
Julgamento: 14/12/2020.
Tânia Nigri
Tânia Nigri é advogada, psicanalista e autora dos livros “sem juridiquês”: União Estável, Herança, Contrato de Namoro, Divórcio e Pensão Alimentícia.
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